As páginas em branco que conto...
Hoje é o dia da decisão. Abortar ou terminar.
A missão mais difícil de sempre. Deste “sempre” imediato. Subtraio-me por momentos ao dia já declinante. No cume da cidade eufórica, alheio ao frenesim e à música emanante das atuações, medito. Meditação interrompida pela abrupta ordem final. Inevitável. Peço, ainda, ao tempo a solenidade possível. Hesitante, faço sem pensar aquilo que sei melhor.
Esperam-me as letras finais, ansioso de me encontrar na sua aparente desordem. Aguardam-me as palavras, sabendo que não sei se consegui.
É, então, que me sento e agarro a minha melhor caneta, apontada a uma folha em branco disposta a ser esculpida. Repito-me em ridículas frases demasiados vistas. Invento uma história já vista e contada. Descubro na minha mente frases que se fingem nunca antes imaginadas. E falseio prosas escritas por mão indecisa. Inspiração que se esfuma como o fumo que perfuma coisa nenhuma. Palavras que chegam e partem sem passaporte. A ponta fina da caneta rabisca, imprevisível, sem rumo ou direção, linhas sempre iguais.
Mais uma folha de papel que cai no chão.
Tento escrever, mas a teimosia da caneta não me permite tal acto. Por vezes, os pensamentos são mais rápidos que o tempo real e acabo por perdê-los.
Brinco com as palavras! Escrevo todas as que me dizem algo na altura e tento construir um final... mas, uma vez mais, a folha de papel teima em deleitar-se no chão.
Conseguirei alguma vez chegar a um final feliz?
Conseguirei alguma vez descrever através da escrita o imenso mar de sentimentos que habita a minha alma?
Conseguirei alguma vez encontrar as palavras certas que desnudam os meus sentidos? Ou serão sempre fantasias minhas destinadas a viver unicamente em mim?
É... solto mais uma folha de papel que, para não variar, acaba por se entregar no chão.
As palavras estão gastas, velhas e cansadas.
E, assim, me sento a olhar para elas.
Agastado, velho e cansado de criar banalidades, decido queimar tudo o que escrevi e entregar-lhe uma folha em branco!
Assim, ao menos, estaria certo de que seria original!
Gonçalo Nunes