quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

(Escrevo): Conto que não é conto (IV)

 As páginas em branco que conto...

Hoje é o dia da decisão. Abortar ou terminar.
A missão mais difícil de sempre. Deste “sempre” imediato. Subtraio-me por momentos ao dia já declinante. No cume da cidade eufórica, alheio ao frenesim e à música emanante das atuações, medito. Meditação interrompida pela abrupta ordem final. Inevitável. Peço, ainda, ao tempo a solenidade possível. Hesitante, faço sem pensar aquilo que sei melhor.
Esperam-me as letras finais, ansioso de me encontrar na sua aparente desordem. Aguardam-me as palavras, sabendo que não sei se consegui.
É, então, que me sento e agarro a minha melhor caneta, apontada a uma folha em branco disposta a ser esculpida. Repito-me em ridículas frases demasiados vistas. Invento uma história já vista e contada. Descubro na minha mente frases que se fingem nunca antes imaginadas. E falseio prosas escritas por mão indecisa. Inspiração que se esfuma como o fumo que perfuma coisa nenhuma. Palavras que chegam e partem sem passaporte. A ponta fina da caneta rabisca, imprevisível, sem rumo ou direção, linhas sempre iguais.
Mais uma folha de papel que cai no chão.
Tento escrever, mas a teimosia da caneta não me permite tal acto. Por vezes, os pensamentos são mais rápidos que o tempo real e acabo por perdê-los.
Brinco com as palavras! Escrevo todas as que me dizem algo na altura e tento construir um final... mas, uma vez mais, a folha de papel teima em deleitar-se no chão.
Conseguirei alguma vez chegar a um final feliz? 
Conseguirei alguma vez descrever através da escrita o imenso mar de sentimentos que habita a minha alma? 
Conseguirei alguma vez encontrar as palavras certas que desnudam os meus sentidos? Ou serão sempre fantasias minhas destinadas a viver unicamente em mim?
É... solto mais uma folha de papel que, para não variar, acaba por se entregar no chão.
As palavras estão gastas, velhas e cansadas.
E, assim, me sento a olhar para elas.
Agastado, velho e cansado de criar banalidades, decido queimar tudo o que escrevi e entregar-lhe uma folha em branco!
Assim, ao menos, estaria certo de que seria original!

Gonçalo Nunes

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

(Escrevo): Conto que não é conto (III)



A melodia das palavras...

É cedo demais para nada, é tarde demais para tudo.
Resisto mais duas páginas.
E fez-se dia, bem antes da minha vontade.
Embalo a insónia com vícios urbanos e ocupo a mesa do canto. É aqui que escrevo. Nuvens de fumo enegrecem o papel. Bloco de notas, mais bloco que notas e a caneta emprestada.
E nada. Tantas vezes nada para dizer. E escrevo. A minha vida não a conto. Imagino, então, outras mais literárias. Personagens interessantes, em histórias que não as minhas. É a velha história, “tenho um amigo que”... é muito parecido comigo.
Apenas escrevo. Debruçado nesta mesa do café da Faculdade.
O dia madrugador despertou-me da rara apatia noturna em que estava submerso.
Agora que os primeiros bocejos de sol parecem despertar o meu sono adormecido, é hora de fechar o meu bloco de notas, devolver a caneta a não sei quem que “ma” emprestou e voltar ao mundo lá fora. A normalidade do meu ser não me permite ser de outra maneira.
Fecho o bloco e vou para a aula.
Anfiteatro. Fui ao quadro, transcrever transgredindo como mandam as regras e, sentado de novo, penso num escrito louco que me soe a palavras, a tempo, a história...
Escrevo mais uma linha no bloco que comigo caminha. Fiz pontos finais em sítios diferentes, coloquei vírgulas e acentos, retirei algumas exclamações e escrevi.
Outra folha que rasgo a cada final.
Precisava de alegrar as tristes palavras e ideias que ouvia. Gostava de escrever com música. Que houvesse uma música qualquer nas minhas palavras. Que a folha branca fosse uma pauta na qual disponho as notas, agora, palavras. Gostava que quem me lesse, ouvisse a música. Sentisse. Uma música qualquer que me ajude a continuar. Que me ensine a tocar as notas certas. A pautar, as palavras certas.
Gostava que essa música surgisse devagar, ao ritmo da escrita, na melodia da leitura. Que se instalasse de forma imperceptível. Que diluísse quem escreve, que entrasse no ouvido de quem lê.
Suave... como um gesto de ternura.


Gonçalo Nunes