quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

(Escrevo): Conto que não é conto (III)



A melodia das palavras...

É cedo demais para nada, é tarde demais para tudo.
Resisto mais duas páginas.
E fez-se dia, bem antes da minha vontade.
Embalo a insónia com vícios urbanos e ocupo a mesa do canto. É aqui que escrevo. Nuvens de fumo enegrecem o papel. Bloco de notas, mais bloco que notas e a caneta emprestada.
E nada. Tantas vezes nada para dizer. E escrevo. A minha vida não a conto. Imagino, então, outras mais literárias. Personagens interessantes, em histórias que não as minhas. É a velha história, “tenho um amigo que”... é muito parecido comigo.
Apenas escrevo. Debruçado nesta mesa do café da Faculdade.
O dia madrugador despertou-me da rara apatia noturna em que estava submerso.
Agora que os primeiros bocejos de sol parecem despertar o meu sono adormecido, é hora de fechar o meu bloco de notas, devolver a caneta a não sei quem que “ma” emprestou e voltar ao mundo lá fora. A normalidade do meu ser não me permite ser de outra maneira.
Fecho o bloco e vou para a aula.
Anfiteatro. Fui ao quadro, transcrever transgredindo como mandam as regras e, sentado de novo, penso num escrito louco que me soe a palavras, a tempo, a história...
Escrevo mais uma linha no bloco que comigo caminha. Fiz pontos finais em sítios diferentes, coloquei vírgulas e acentos, retirei algumas exclamações e escrevi.
Outra folha que rasgo a cada final.
Precisava de alegrar as tristes palavras e ideias que ouvia. Gostava de escrever com música. Que houvesse uma música qualquer nas minhas palavras. Que a folha branca fosse uma pauta na qual disponho as notas, agora, palavras. Gostava que quem me lesse, ouvisse a música. Sentisse. Uma música qualquer que me ajude a continuar. Que me ensine a tocar as notas certas. A pautar, as palavras certas.
Gostava que essa música surgisse devagar, ao ritmo da escrita, na melodia da leitura. Que se instalasse de forma imperceptível. Que diluísse quem escreve, que entrasse no ouvido de quem lê.
Suave... como um gesto de ternura.


Gonçalo Nunes

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